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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Ta ligado, Brother?

O que acontece quando milhões de brasileiros espreitam por suas telas indiscretas o cotidiano dos doze participantes do Big Brother Brasil? À primeira vista, trata-se apenas de um grande interesse pelo comportamento de pessoas comuns, que, por isso mesmo, provocariam a identificação do(a) espectador(a). Uma espécie de binóculo superpossante, voltado para o apartamento de um vizinho qualquer, e capaz de desnudar a privacidade alheia, sem o risco de que a bisbilhotice seja flagrada e punida. O prazer do voyerismo sem culpa, despertado por um marketing agressivo.
Porém, as fantasias voyeristas dependem, nesse caso, de pessoas que se disponham a pagar o preço de sua liberdade para se submeterem à eterna vigilância das câmaras onipresentes. Entra em cena o exibicionismo de quem abre mão de uma parcela de sua dignidade, incitado(a) pela promessa de um lugar ao sol. Até aqui, nenhum grande problema. Somente pequenas perversões humanas, demasiadamente humanas, para merecerem o mármore dos infernos.
O que assusta e constrange, no Big Brother Brasil, é mais do que as nossas fraquezas, que ele traz à tona. É mais do que a estupidez das provas a que são submetidos os(as) participantes, do que a pobreza das situações que vivem e do que a indigência dos diálogos que os rapazes e as moças são capazes de performar espontaneamente. O pior do Big Brother não está no olhar de quem vê ou na fragilidade de quem se expõe. Está no próprio espírito que o concebe. Está nos dispositivos que estimulam o que há de menor na nossa humanidade: o individualismo sem limites, a competitividade, o sadismo, a covardia, a paranóia, a deslealdade e a futilidade. Está nas regras do jogo que valoriza a desqualificação e a exclusão, conferindo um lugar quase clandestino à solidariedade, à integridade, à identificação e à cooperação entre as pessoas.
Nesse cenário, não há como esperar que o programa promova valores muito edificantes. O que se vê é o reforço das aspirações imediatistas de conquista de fama e dinheiro. Não a fama de quem investiu na criação de algo, de quem se arriscou para salvar alguém ou de quem se empenhou para transformar alguma coisa. Nem, tampouco, o dinheiro que resulta do trabalho e que retorna para a cadeia produtiva, realimentando circuitos vitais. O que se vende, como um bem que passa a valer por si mesmo, é a possibilidade do reconhecimento fácil, de quem se torna instantaneamente famoso por desempenhar, diante de milhões de brasileiros, o papel de pessoa comum. É a atração do ganho imediato, que não requer nenhum talento, nenhuma grandeza, nenhuma capacidade, nenhuma inspiração. São as miragens do enriquecimento e do prestígio automáticos, que, do outro lado da cidade partida e longe do nosso olhar indulgente, atraem tantos jovens sem perspectiva para o abismo do tráfico de drogas. Nesse sentido, o Big Brother reflete o lado sombrio das sociedades contemporâneas, instigando a sociabilidade predatória e a voracidade narcísica.
No sentido inverso ao do olho que tudo vê, um bando de jovens sem projetos e sem compromisso com o que acontece no resto do mundo penetra o cotidiano de uma parte da população, que é convocada a acompanhar, passo a passo, os acontecimentos dessa novela aparentemente sem roteiro. Aos telespectadores cabe também tomar decisões: eleger as afinidades e os desafetos, que justificarão a escolha do próximo personagem a ser excluído. Uma suposta interatividade, que reforça a sensação ilusória de que o que se vê é a vida real, fluindo diante das câmaras. Em troca, a promessa de grandes emoções, fomentadas e calibradas pelos apresentadores, a quem é dado comandar o espetáculo.
Mas, felizmente, há sempre realidades paralelas, que escapam ao olhar do grande irmão, e são povoadas por outros jovens que aspiram algo mais do que a fama e o dinheiro. Com a ousadia de quem tem a vida pela frente e com os tropeços naturais que advêm do entusiasmo juvenil, eles e elas se organizam em torno de ideais políticos, de movimentos artísticos e de projetos culturais, renovando a nossa esperança de que um outro mundo seja possível.

David Silvestre
Manaus –AM 05 de janeiro de 2011